Os
que querem paz são “do bem” ou covardes? O filósofo Luiz Felipe Pondé – com
quem concordo – em artigo no Estado de São Paulo escreveu: “Ficamos covardes.
Fosse esta geração de jovens europeus (que só sabe pedir direitos e iPads) que
tivesse que enfrentar Hitler, ele teria ganhado a guerra. Provavelmente esses
estragados por décadas de ‘estado de bem-estar social’ teriam dito ‘não à
guerra em nome da paz’. Grande parte do estrago que Hitler fez no início foi
causada por gente que gostava de dizer que a paz sempre é possível. Gente medrosa
mesmo”. Pondé tem razão, toda. Porque a Bíblia diz: “Se for possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens.”
(Romanos 12.18). Não depende somente de nós. Se o outro deseja guerra... Precisamos
defender nossa fronteira.
Acredito
piamente que o diálogo é uma boa estratégia para se colocar os pingos nos is, mas não acredito que seja alternativa
ao conflito posto que diálogo é confronto. Vai depender dos envolvidos se se
tornará uma guerra. O que a Bíblia diz acerca deste assunto pode surpreender
muita gente.
Solilóquio e Diálogo
A frase que
faz a cabeça de muita gente é “liberar perdão”. Em determinados arraiais
chamados cristãos se você quiser ficar bem na foto é só liberar perdão. Essa
atitude exala um forte cheiro de ufanismo do tipo “mostre que você é superior,
perdoe”. Constatamos que de fato há muita gente machucada, magoada,
entristecida e ferida no mundo. Claro, em todo seguimento social, incluindo a
Igreja. Vivemos em guerra ou em rumores de guerra. Estamos sentados em barril
de pólvora. Não conseguimos viver em paz, por isso clamamos por ela o tempo
todo. Mas não é possível conquistar a paz sem lutar por ela.
Ninguém
consegue evitar um confronto porque não conseguimos evitar pecar contra Deus e
contra nosso irmão o tempo todo. Como isto é impossível, a atitude ideal de um
seguidor de Cristo é conversar consigo mesmo sobre o pecado cometido contra
alguém, principalmente se é alguém que chama de irmão.
A culpa e a
busca por liberdade do cativeiro eterno devem ser as atitudes de qualquer cristão
verdadeiro. Isso evita que o irmão ofendido precise procurá-lo, mas não o
confronto. Quem tem que procurá-lo é você. Não há como fugir do confronto, não
há como fugir do diálogo. Evidentemente a iniciativa deve partir do ofensor, pois
o desejado pedido de perdão, que é resultado de arrependimento sincero, deveria
ser uma atitude pessoal e intransferível. Mas se o ofensor não tomar a
iniciativa do confronto (diálogo, como quiser), é o ofendido tem que fazê-lo.
Isto porque no contexto da comunidade cristã verdadeira, estamos tratando com
irmãos mesmo e não com gente fingida.
Verdadeiro Ou Falso?
Pouca
gente consegue perceber, com raro discernimento, que Jesus não tolera gente
falsa. Há pessoas que se dizem irmãos com interesses mesquinhos e até
tenebrosos. Interesses que vão desde satisfação de desejos egoísticos até a destruição
da vida de alguém. Por estas terríveis razões é que a Bíblia adverte: “Mas agora vos escrevo que não vos
comuniqueis com aquele que, dizendo-se
irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão,
ou roubador; com esse tal nem sequer comais.” (I Coríntios 5.11, negrito
meu). Sua vida está em jogo, defenda-se dos falsos irmãos. Para isso, Jesus nos
deu condições de determinarmos quem é e quem não é meu irmão em Cristo.
É através de
um processo trabalhoso e humilhante que o falso irmão se revela. Através do confronto
descobrimos quem é realmente nosso irmão. Dependendo da perspectiva, é uma
forma de “ganharmos nosso irmão”, como disse Jesus, mas não se pode negar o
fato de que, embora seja um modo de ajudarmos um irmão que por um raro acidente
de percurso cometeu um pecado, também é uma maneira de identificarmos o mentiroso.
Assim, também, não é vontade de
vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca. Ora, se teu
irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir,
ganhaste a teu irmão; Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para
que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se
não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o
como um gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na
terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no
céu. Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de
qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos
céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no
meio deles. (Mateus
18.14-20).
Diálogo É Confronto
Confronto,
este é o nome que se dá a este processo. Você pode chamar diálogo, mas também é
confronto. Por mais estranho que isto soe quem não ama a seu irmão, não quer
que ele se perca. Por isso será preciso confrontá-lo. É preciso ter uma maneira
adequada de falar, uma abordagem amorosa, pois “a resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.”
(Provérbios 15.1). É o ideal se você quiser ser ouvido. Mas quem está sendo
confrontado não está interessado com a maneira da abordagem. Se não procura
quem ofendeu, não quer ser abordado! Claro, se você fizer uma abordagem
considerada “dura”, ele usará isto como desculpa e respaldo para não ouvir. Mas
confronto é confronto, seja de maneira polida ou não. Ninguém garante que uma
abordagem amorosa convencerá alguém de pecado, assim como não é possível
ignorar qualquer abordagem se o indivíduo confrontado é crente verdadeiro.
Acredito que o tal considerará o interesse sincero de quem o aborda e pouco
ligará para a forma da abordagem. Um indivíduo soberbo se importa com a maneira
da abordagem, um indivíduo humilde não liga se a abordagem foi dura ou não.
No entanto,
de acordo com a orientação de Jesus, se na hora da verdade, depois da
aproximação solitária, depois da investida de outras testemunhas e depois da
última fase do processo de convencimento, a intervenção da Comunidade Eclesiástica,
o indivíduo continuar negando o pecado cometido, o remédio é a exclusão. Mas
não somente isto, pois Jesus disse que o tal deve ser considerado “um gentio e
publicano”. E isto não é barato, não. Vindo da boca de Jesus é muito duro. Os
gentios e os publicanos eram odiados pelos judeus. Sim, odiados. Não há porque
esconder o sentido das palavras de Jesus em considerar um falso irmão (revelado
assim por meio do diálogo/confronto) odiável. Jesus odeia gente falsa: “Vós tendes por pai ao diabo, e quereis
satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não
se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira,
fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira.” (João
8.44). Nós não deveríamos ser condescendentes com traidores (publicanos eram
vistos como tais).
O espírito
deste presente século induz à covardia, mas devidamente travestida de
benevolência e “bem estar”. Ser da paz é viver em conforto evitando qualquer
confronto. “Por que me aborrecer com o pecado cometido contra mim? Eu sou da
paz! Eu o perdoo, mesmo que ele nem saiba disso”. Esta atitude de “liberar
perdão” a três por dois, à vontade, sem critério nenhum é confortável. Ninguém
precisa se desgastar num processo doloroso de convencimento.
O processo
incitado por Jesus tem o objetivo de “ganhar o irmão”. Irmão merece esta
deferência, cuidado e amor. Afinal é irmão! E se não for?
Definindo O Perdão Bíblico
No artigo
“Temos de Perdoar Nossos Inimigos?”[1],
o pastor estadunidense Brian Edwards teve minha atenção quando definiu perdão
como a Bíblia o define. Discutindo os aspectos psicológicos dos efeitos do
perdão (para quem perdoa e não para quem é perdoado), Edwards salienta que o
perdão associou-se ao apelo do bem estar pessoal de nosso tempo.
Na América do Norte, o perdão se
tornou um assunto muito importante. A Fundação John Templetom recebeu
aproximadamente trinta doações, em 1998, para o estudo do perdão. Até Jimmy Carter,
Elizabeth Elliot e Desmond Tutu se uniram para promover a Campanha Para
Pesquisa Sobre o Perdão. Alguém descobriu o seguinte: as pessoas que perdoam
aqueles que pecam contra elas ficam melhores por causa dessa atitude. Isto é
extremamente admirável! Todavia, essa não é a questão principal. Alguns
estudiosos que escrevem sobre este assunto redefiniram a palavra ‘perdão’ e
sustentam a ideia de que ela não significa ‘esquecer, reconciliar, condoer,
descartar ou mesmo absolver’. Por outro lado, o perdão significa ‘uma transação
pessoal que liberta da ofensa a pessoa ofendida’. Em outras palavras, o ato de
‘perdoar’ está muito pouco relacionado ao ofensor e intensamente relacionado ao
ofendido. Em termos estritamente psicológicos, esse conceito talvez seja
correto, mas ignora completamente o significado bíblico da palavra ‘perdão’”[2].
Mas qual é o
sentido bíblico da palavra “perdão”? Os estudos feitos em 1998, lá nos EUA,
chegaram à conclusão de que perdoar “faz bem para a pele” de quem perdoa. Além
do fato de que o perdoador liberal e incondicional é visto pela sociedade
moderna como uma pessoa “do bem”. Simplesmente libere perdão e ponto! Sinta-se
bem, fique bem com a sociedade e seja admirado pela atitude nobre de perdoar.
Mas não é este o resultado pretendido pelo perdão. O perdão existe para
libertar o pecador da pena a que se destina e não para o ofendido ficar livre
da ofensa, porque isso é simplesmente impossível.
Dependendo
da ofensa, o resultado e as consequências são indeléveis. O perdão não vai me
trazer de volta a pessoa assassinada, por exemplo, mas vai libertar o ofensor (assassino)
do inferno. Não propriamente pelo perdão oferecido em prontidão (a gente oferece,
mas nem sempre é pedido ou aceito), mas pelo arrependimento, confissão de
pecado e desejo sinceros de nunca mais assassinar alguém.
O perdão,
portanto, é condicionado ao pedido de perdão. Não se dá o que não se pede, não
se busca o que não se deseja encontrar nem se bate em porta que não se deseja
abrir (Lucas 11.10). Veja o que escreveu Edwards a respeito: “Deus nunca
oferece perdão àqueles que não suplicam por ele. Deus jamais oferece perdão
incondicional (...) por que esperamos que as pessoas façam aquilo que Deus
mesmo não o faz. Perdoar sem que o perdão seja suplicado ou quando o
arrependimento não se evidenciou é uma atitude correta, necessária ou mesmo cristã?”.
Eu respondo: Não, não é.
Nosso
pensamento tem sido fortemente influenciado pela psicologia moderna neste
assunto em particular. Como indivíduos caídos, temos sido dominados pela
covardia e pela hipocrisia de quem defende que o diálogo é a solução para os
conflitos pessoais e mundiais, pois que preferem o não confronto por meio do
perdão incondicional. Nossa tendência é para o conforto e “liberar perdão” é,
sim, covardia. Pior que covardia, é crueldade, pois “liberar perdão” é
acreditar que o ofensor não vai morrer com sua ofensa. No entanto, repito, ele
precisa ser confrontado e convencido a pedir perdão, pois sem o qual não vai passar
nem pelos portões celestiais. É preciso avisá-lo que sem arrependimento e que
precisa verbalizar seu desejo de perdão, ele não virá.
...se, de alguma maneira, as
palavras de nosso Senhor, no Calvário, são o modelo para nós, então a única coisa
que elas nos ensinam é que devemos orar ao nosso Pai celestial em favor
daqueles que pecaram contra nós, a fim de que Ele lhes conceda perdão; e isto
significa que, primeiramente, Ele precisará trazê-los ao arrependimento. Isso
nos traz a outra alternativa. A resposta à pergunta “Temos de perdoar nossos
inimigos?” é “Não, não temos, a menos que eles se arrependam e nos peçam
perdão”.[3]
Humilhar-Se Para Ser Exaltado
O
grande desafio, contudo, é a humilhação. Sim, é preciso ser muito humilde para
procurar perdão e, em direção oposta, para perdoar também. Travamos uma luta
interna que, como em toda batalha, nos causa muita dor. Não é sem razão que o
orgulho se manifesta tanto no ofensor como no ofendido. No ofensor, quando não
quer dar o braço a torcer. Luta contra todas as evidências, mesmo que sejam
evidentes. Por esta razão o processo de cura estabelecido por Jesus tem o
objetivo de quebrantamento (II Samuel 12; Salmo 51.17).
Quando
o ofendido não deseja perdoar o ofensor quebrantado e contrito que roga seu
perdão, é que o orgulho se manifesta. Orgulho e crueldade como manifesto na
parábola do rei compassivo (Mateus 18.23-35).
É, portanto, o orgulho que temos de enfrentar. A humilhação é o
desafio que não queremos enfrentar por isso a falsa solução do tal “liberar
perdão” que nos livra da dor da ofensa, mas que não livra o ofensor do inferno.
Mas esta liberação não faz nem uma coisa nem outra. Não alivia a dor de ninguém
e muito menos liberta o ofensor.
Por
isso é que eu tento não pecar para não ter que passar por esse processo de humilhação.
Mas se for necessário para que eu não ingresse nas trevas exteriores, não há
menor dor do que a humilde atitude de pedir perdão e, se for o caso, de perdoar
de coração.
Concluindo...
Afirmo que
infelizmente várias congregações ditas evangélicas estão completamente enganadas
sobre este assunto. O fiel está sempre pronto a perdoar à maneira de Deus: “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem
maligno os seus pensamentos; volte-se ao Senhor, que se compadecerá dele; e
para o nosso Deus, porque é generoso em perdoar.” (Isaías 55.7), mas não
precisa se sentir obrigado a perdoar quem não se arrependeu ao ponto de pedir
perdão. No entanto, os covardes e desleais, revelando o espírito hedonista
deste tempo em que viver em paz é ignorar o outro, estimam evitar diálogos.
Esta paz se apresenta sempre superficial e falsa, como profetizou Jeremias: “Também se ocupam em curar superficialmente
a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz.” (6.14).
Nenhuma ferida aberta pode ser curada sem que se toque nela.
Não se pode
acreditar em paz que não se conquista. Jesus disse que nos deixaria Sua paz
porque venceu “o mundo” (João 16.33).
O mundo jaz aos Seus pés, vencido pela batalha da fé sobre a qual Paulo e João
também falaram (II Timóteo 4.7; I João 5.4, respectivamente). A fé é uma ação
corajosa, pois nos leva a acreditar, especialmente quando o assunto é perdão de
pecado, que nosso irmão irá ser convencido a voltar para Deus, através de uma
conversa franca e firme que alguns chamam de diálogo. Confronto necessário para
estabelecer novamente a paz. Isso quando o contexto é necessariamente cristão. Fora
deste contexto, é outra história...