segunda-feira, 30 de março de 2015

“LIBERAR PERDÃO” É COVARDIA E CRUELDADE



            Os que querem paz são “do bem” ou covardes? O filósofo Luiz Felipe Pondé – com quem concordo – em artigo no Estado de São Paulo escreveu: “Ficamos covardes. Fosse esta geração de jovens europeus (que só sabe pedir direitos e iPads) que tivesse que enfrentar Hitler, ele teria ganhado a guerra. Provavelmente esses estragados por décadas de ‘estado de bem-estar social’ teriam dito ‘não à guerra em nome da paz’. Grande parte do estrago que Hitler fez no início foi causada por gente que gostava de dizer que a paz sempre é possível. Gente medrosa mesmo”. Pondé tem razão, toda. Porque a Bíblia diz: “Se for possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens.” (Romanos 12.18). Não depende somente de nós. Se o outro deseja guerra... Precisamos defender nossa fronteira.
            Acredito piamente que o diálogo é uma boa estratégia para se colocar os pingos nos is, mas não acredito que seja alternativa ao conflito posto que diálogo é confronto. Vai depender dos envolvidos se se tornará uma guerra. O que a Bíblia diz acerca deste assunto pode surpreender muita gente.

Solilóquio e Diálogo
A frase que faz a cabeça de muita gente é “liberar perdão”. Em determinados arraiais chamados cristãos se você quiser ficar bem na foto é só liberar perdão. Essa atitude exala um forte cheiro de ufanismo do tipo “mostre que você é superior, perdoe”. Constatamos que de fato há muita gente machucada, magoada, entristecida e ferida no mundo. Claro, em todo seguimento social, incluindo a Igreja. Vivemos em guerra ou em rumores de guerra. Estamos sentados em barril de pólvora. Não conseguimos viver em paz, por isso clamamos por ela o tempo todo. Mas não é possível conquistar a paz sem lutar por ela.
Ninguém consegue evitar um confronto porque não conseguimos evitar pecar contra Deus e contra nosso irmão o tempo todo. Como isto é impossível, a atitude ideal de um seguidor de Cristo é conversar consigo mesmo sobre o pecado cometido contra alguém, principalmente se é alguém que chama de irmão.
A culpa e a busca por liberdade do cativeiro eterno devem ser as atitudes de qualquer cristão verdadeiro. Isso evita que o irmão ofendido precise procurá-lo, mas não o confronto. Quem tem que procurá-lo é você. Não há como fugir do confronto, não há como fugir do diálogo. Evidentemente a iniciativa deve partir do ofensor, pois o desejado pedido de perdão, que é resultado de arrependimento sincero, deveria ser uma atitude pessoal e intransferível. Mas se o ofensor não tomar a iniciativa do confronto (diálogo, como quiser), é o ofendido tem que fazê-lo. Isto porque no contexto da comunidade cristã verdadeira, estamos tratando com irmãos mesmo e não com gente fingida.

Verdadeiro Ou Falso?
            Pouca gente consegue perceber, com raro discernimento, que Jesus não tolera gente falsa. Há pessoas que se dizem irmãos com interesses mesquinhos e até tenebrosos. Interesses que vão desde satisfação de desejos egoísticos até a destruição da vida de alguém. Por estas terríveis razões é que a Bíblia adverte: “Mas agora vos escrevo que não vos comuniqueis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal nem sequer comais.” (I Coríntios 5.11, negrito meu). Sua vida está em jogo, defenda-se dos falsos irmãos. Para isso, Jesus nos deu condições de determinarmos quem é e quem não é meu irmão em Cristo.
É através de um processo trabalhoso e humilhante que o falso irmão se revela. Através do confronto descobrimos quem é realmente nosso irmão. Dependendo da perspectiva, é uma forma de “ganharmos nosso irmão”, como disse Jesus, mas não se pode negar o fato de que, embora seja um modo de ajudarmos um irmão que por um raro acidente de percurso cometeu um pecado, também é uma maneira de identificarmos o mentiroso.
Assim, também, não é vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca. Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles. (Mateus 18.14-20).

Diálogo É Confronto
Confronto, este é o nome que se dá a este processo. Você pode chamar diálogo, mas também é confronto. Por mais estranho que isto soe quem não ama a seu irmão, não quer que ele se perca. Por isso será preciso confrontá-lo. É preciso ter uma maneira adequada de falar, uma abordagem amorosa, pois “a resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.” (Provérbios 15.1). É o ideal se você quiser ser ouvido. Mas quem está sendo confrontado não está interessado com a maneira da abordagem. Se não procura quem ofendeu, não quer ser abordado! Claro, se você fizer uma abordagem considerada “dura”, ele usará isto como desculpa e respaldo para não ouvir. Mas confronto é confronto, seja de maneira polida ou não. Ninguém garante que uma abordagem amorosa convencerá alguém de pecado, assim como não é possível ignorar qualquer abordagem se o indivíduo confrontado é crente verdadeiro. Acredito que o tal considerará o interesse sincero de quem o aborda e pouco ligará para a forma da abordagem. Um indivíduo soberbo se importa com a maneira da abordagem, um indivíduo humilde não liga se a abordagem foi dura ou não.
No entanto, de acordo com a orientação de Jesus, se na hora da verdade, depois da aproximação solitária, depois da investida de outras testemunhas e depois da última fase do processo de convencimento, a intervenção da Comunidade Eclesiástica, o indivíduo continuar negando o pecado cometido, o remédio é a exclusão. Mas não somente isto, pois Jesus disse que o tal deve ser considerado “um gentio e publicano”. E isto não é barato, não. Vindo da boca de Jesus é muito duro. Os gentios e os publicanos eram odiados pelos judeus. Sim, odiados. Não há porque esconder o sentido das palavras de Jesus em considerar um falso irmão (revelado assim por meio do diálogo/confronto) odiável. Jesus odeia gente falsa: “Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira.” (João 8.44). Nós não deveríamos ser condescendentes com traidores (publicanos eram vistos como tais).
O espírito deste presente século induz à covardia, mas devidamente travestida de benevolência e “bem estar”. Ser da paz é viver em conforto evitando qualquer confronto. “Por que me aborrecer com o pecado cometido contra mim? Eu sou da paz! Eu o perdoo, mesmo que ele nem saiba disso”. Esta atitude de “liberar perdão” a três por dois, à vontade, sem critério nenhum é confortável. Ninguém precisa se desgastar num processo doloroso de convencimento.
O processo incitado por Jesus tem o objetivo de “ganhar o irmão”. Irmão merece esta deferência, cuidado e amor. Afinal é irmão! E se não for?

Definindo O Perdão Bíblico
No artigo “Temos de Perdoar Nossos Inimigos?”[1], o pastor estadunidense Brian Edwards teve minha atenção quando definiu perdão como a Bíblia o define. Discutindo os aspectos psicológicos dos efeitos do perdão (para quem perdoa e não para quem é perdoado), Edwards salienta que o perdão associou-se ao apelo do bem estar pessoal de nosso tempo.
Na América do Norte, o perdão se tornou um assunto muito importante. A Fundação John Templetom recebeu aproximadamente trinta doações, em 1998, para o estudo do perdão. Até Jimmy Carter, Elizabeth Elliot e Desmond Tutu se uniram para promover a Campanha Para Pesquisa Sobre o Perdão. Alguém descobriu o seguinte: as pessoas que perdoam aqueles que pecam contra elas ficam melhores por causa dessa atitude. Isto é extremamente admirável! Todavia, essa não é a questão principal. Alguns estudiosos que escrevem sobre este assunto redefiniram a palavra ‘perdão’ e sustentam a ideia de que ela não significa ‘esquecer, reconciliar, condoer, descartar ou mesmo absolver’. Por outro lado, o perdão significa ‘uma transação pessoal que liberta da ofensa a pessoa ofendida’. Em outras palavras, o ato de ‘perdoar’ está muito pouco relacionado ao ofensor e intensamente relacionado ao ofendido. Em termos estritamente psicológicos, esse conceito talvez seja correto, mas ignora completamente o significado bíblico da palavra ‘perdão’”[2].

Mas qual é o sentido bíblico da palavra “perdão”? Os estudos feitos em 1998, lá nos EUA, chegaram à conclusão de que perdoar “faz bem para a pele” de quem perdoa. Além do fato de que o perdoador liberal e incondicional é visto pela sociedade moderna como uma pessoa “do bem”. Simplesmente libere perdão e ponto! Sinta-se bem, fique bem com a sociedade e seja admirado pela atitude nobre de perdoar. Mas não é este o resultado pretendido pelo perdão. O perdão existe para libertar o pecador da pena a que se destina e não para o ofendido ficar livre da ofensa, porque isso é simplesmente impossível.
Dependendo da ofensa, o resultado e as consequências são indeléveis. O perdão não vai me trazer de volta a pessoa assassinada, por exemplo, mas vai libertar o ofensor (assassino) do inferno. Não propriamente pelo perdão oferecido em prontidão (a gente oferece, mas nem sempre é pedido ou aceito), mas pelo arrependimento, confissão de pecado e desejo sinceros de nunca mais assassinar alguém.
O perdão, portanto, é condicionado ao pedido de perdão. Não se dá o que não se pede, não se busca o que não se deseja encontrar nem se bate em porta que não se deseja abrir (Lucas 11.10). Veja o que escreveu Edwards a respeito: “Deus nunca oferece perdão àqueles que não suplicam por ele. Deus jamais oferece perdão incondicional (...) por que esperamos que as pessoas façam aquilo que Deus mesmo não o faz. Perdoar sem que o perdão seja suplicado ou quando o arrependimento não se evidenciou é uma atitude correta, necessária ou mesmo cristã?”. Eu respondo: Não, não é.
Nosso pensamento tem sido fortemente influenciado pela psicologia moderna neste assunto em particular. Como indivíduos caídos, temos sido dominados pela covardia e pela hipocrisia de quem defende que o diálogo é a solução para os conflitos pessoais e mundiais, pois que preferem o não confronto por meio do perdão incondicional. Nossa tendência é para o conforto e “liberar perdão” é, sim, covardia. Pior que covardia, é crueldade, pois “liberar perdão” é acreditar que o ofensor não vai morrer com sua ofensa. No entanto, repito, ele precisa ser confrontado e convencido a pedir perdão, pois sem o qual não vai passar nem pelos portões celestiais. É preciso avisá-lo que sem arrependimento e que precisa verbalizar seu desejo de perdão, ele não virá.
...se, de alguma maneira, as palavras de nosso Senhor, no Calvário, são o modelo para nós, então a única coisa que elas nos ensinam é que devemos orar ao nosso Pai celestial em favor daqueles que pecaram contra nós, a fim de que Ele lhes conceda perdão; e isto significa que, primeiramente, Ele precisará trazê-los ao arrependimento. Isso nos traz a outra alternativa. A resposta à pergunta “Temos de perdoar nossos inimigos?” é “Não, não temos, a menos que eles se arrependam e nos peçam perdão”.[3]

Humilhar-Se Para Ser Exaltado
            O grande desafio, contudo, é a humilhação. Sim, é preciso ser muito humilde para procurar perdão e, em direção oposta, para perdoar também. Travamos uma luta interna que, como em toda batalha, nos causa muita dor. Não é sem razão que o orgulho se manifesta tanto no ofensor como no ofendido. No ofensor, quando não quer dar o braço a torcer. Luta contra todas as evidências, mesmo que sejam evidentes. Por esta razão o processo de cura estabelecido por Jesus tem o objetivo de quebrantamento (II Samuel 12; Salmo 51.17).
            Quando o ofendido não deseja perdoar o ofensor quebrantado e contrito que roga seu perdão, é que o orgulho se manifesta. Orgulho e crueldade como manifesto na parábola do rei compassivo (Mateus 18.23-35).
             É, portanto, o orgulho que temos de enfrentar. A humilhação é o desafio que não queremos enfrentar por isso a falsa solução do tal “liberar perdão” que nos livra da dor da ofensa, mas que não livra o ofensor do inferno. Mas esta liberação não faz nem uma coisa nem outra. Não alivia a dor de ninguém e muito menos liberta o ofensor.
            Por isso é que eu tento não pecar para não ter que passar por esse processo de humilhação. Mas se for necessário para que eu não ingresse nas trevas exteriores, não há menor dor do que a humilde atitude de pedir perdão e, se for o caso, de perdoar de coração.

Concluindo...
Afirmo que infelizmente várias congregações ditas evangélicas estão completamente enganadas sobre este assunto. O fiel está sempre pronto a perdoar à maneira de Deus: “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos; volte-se ao Senhor, que se compadecerá dele; e para o nosso Deus, porque é generoso em perdoar.” (Isaías 55.7), mas não precisa se sentir obrigado a perdoar quem não se arrependeu ao ponto de pedir perdão. No entanto, os covardes e desleais, revelando o espírito hedonista deste tempo em que viver em paz é ignorar o outro, estimam evitar diálogos. Esta paz se apresenta sempre superficial e falsa, como profetizou Jeremias: “Também se ocupam em curar superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz.” (6.14). Nenhuma ferida aberta pode ser curada sem que se toque nela.
Não se pode acreditar em paz que não se conquista. Jesus disse que nos deixaria Sua paz porque venceu “o mundo” (João 16.33). O mundo jaz aos Seus pés, vencido pela batalha da fé sobre a qual Paulo e João também falaram (II Timóteo 4.7; I João 5.4, respectivamente). A fé é uma ação corajosa, pois nos leva a acreditar, especialmente quando o assunto é perdão de pecado, que nosso irmão irá ser convencido a voltar para Deus, através de uma conversa franca e firme que alguns chamam de diálogo. Confronto necessário para estabelecer novamente a paz. Isso quando o contexto é necessariamente cristão. Fora deste contexto, é outra história...


[1] http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/66/Temos_de_Perdoar_Nossos_Inimigos
[2] Idem
[3] Idem

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